Neste artigo trago o antigo e não resolvido debate sobre a etimologia da palavra Tarô como pano de fundo. Mas em vez de desafiar-me na busca convencional de uma única raiz linguística historicamente verificável, postulo a tese de um tipo de poligênese simbólica. Argumento que o significado da palavra Tarô não reside em uma única origem que possa ser considerada correta, intacta, mas em uma constelação de termos fonética e semanticamente ressonantes de diversas línguas (italiano, francês, hebraico, árabe, egípcio, sânscrito, etc.).
O resultado para cada origem que se busca para a palavra Tarô nos leva automaticamente a uma carta do próprio oráculo. Para provar minha tese, primeiramente, tentarei catalogar um léxico abrangente de etimologias propostas, distinguindo entre as historicamente documentadas e as especulativamente esotéricas. Demonstro um padrão notável e consistente de correlação entre os significados dessas raízes propostas e os arquétipos centrais dos Arcanos Maiores e Menores do próprio Tarô.
A constatação de há uma Poligênese Simbólica na etimologia da palavra da Tarô o torna o oráculo mais importante da humanidade. Concluo neste meu artigo a defesa de que a palavra Tarô funciona como um metassímbolo ou um oráculo autonomeado, cuja ambiguidade etimológica não é um problema histórico a ser resolvido, mas uma característica intrínseca que reflete a natureza multifacetada e divinatória do próprio sistema. A verdadeira origem do nome, defendo, é encontrada dentro da matriz simbólica das próprias cartas que ele identifica.

A Questão Não Resolvida de um Nome
No cerne dos estudos sobre o Tarô, existe uma tensão fundamental: o abismo entre a historiografia acadêmica e a tradição esotérica. A etimologia da palavra Tarô serve como um dos principais campos de batalha para estas duas visões de mundo. A abordagem acadêmica, por um lado, exige evidências empíricas, rastreando a palavra até à Itália dos séculos XV e XVI. A abordagem esotérica, por outro lado, busca uma origem mais profunda, antiga e sagrada, com o objetivo de legitimar o Tarô como um repositório de sabedoria perene.
O consenso acadêmico estabelece a origem das cartas de jogar, então conhecidas como carte da trionfi, no norte da Itália do século XV, com o termo posterior tarocchi a surgir no início do século XVI. Esta é reconhecida como a história documentada e secular da palavra. Contudo, este fato histórico, embora preciso, é insuficientemente explicativo tanto para dar conta da profunda ressonância cultural e simbólica que a palavra adquiriu, quanto para revelar seu real significado. Por isso, eu o descarto sem fazer cerimonias a quem dele faz uso.
A insistência dos estudiosos em impor uma única origem para a palavra reflete uma mentalidade linear e positivista, além, em meu ver, de materialista, que se revela inadequada para um sistema simbólico como o Tarô. A aceitação de múltiplas origens simbólicas para caracterizar a dinâmica do próprio oráculo, por sua vez, espelha uma visão de mundo holística e sincrônica, inerente à própria prática do Tarô.
Por meio do conhecimento que me trouxe a Ordem dos Quatro Magos (na qual fui recentemente consagrado), trago ao mundo a tese da Poligênese Simbólica como um novo paradigma para resolver de vez este impasse etimológico e, se possível, por fim a ele.
Minha proposta central é a observação de que “todas as origens estão certas e, ao mesmo tempo, nenhuma delas está”; esse novo axioma não é um paradoxo, mas uma constatação profunda. A questão, portanto, é reformulada: não se trata de “De onde veio a palavra Tarô?”, mas sim “Por que tantos caminhos etimológicos plausíveis levam de volta ao próprio conteúdo simbólico do Tarô?”.
Defendo que, para compreender o nome do Tarô, é necessário pensar como o Tarô: de forma associativa, simbólica e multidimensional.

Um Léxico de Origens
Para construir a base da minha tese da Poligênese Simbólica, é essencial primeiro tentar reunir o conjunto de dados sobre os quais ela se apoia. A seguir, apresento um catálogo, ainda não exaustivo, das origens propostas para a palavra Tarô, organizadas em subseções temáticas. O objetivo não é validar historicamente cada reivindicação, mas sim compilar o léxico completo de candidatos etimológicos que, coletivamente, formam a base ressonante do nome Tarô.
A Trajetória Histórica Documentada (A Raiz Italiana)
A linhagem acadêmica e linguisticamente mais defensável da palavra começa na Itália renascentista. O termo tarocchi (plural), e a sua forma singular tarocco, são os primeiros nomes documentados para o baralho, surgindo no início do século XVI para distinguir este novo jogo do já existente jogo de trunfos (trionfi). Nesse mesmo contexto, existem duas teorias linguísticas principais para a sua origem:
- Derivação de tara | Esta hipótese sugere que tarocchi provém da palavra tara, que significa “dedução, perda de valor”. Ligado a uma mecânica do jogo em que certas cartas eram postas de lado, representando uma dedução no valor apostado.
- Derivação de taroccar | Uma teoria alternativa traça a origem ao verbo dialetal taroccar, que significa “discutir, brigar” ou, figurativamente, “falsificar”. Refletiria a natureza competitiva e de blefe do jogo.
A partir desta raiz italiana, a palavra foi claramente adotada e adaptada por outras línguas europeias, tornando-se tarot em francês (com uma forma mais antiga, tarau, citada por Rabelais em 1534) e Tarock em alemão.
As Hipóteses Esotéricas (A Busca por uma Linhagem Antiga)
Em contraste com a origem secular do jogo, a tradição ocultista, da qual sou signatário, procurou imbuir o nome de uma linhagem mais nobre e antiga. Estas teorias formam a base da tradição esotérica do Tarô.
- Egípcia | A teoria esotérica fundadora foi proposta no século XVIII pelo estudioso Antoine Court de Gébelin que postulou que Tarô derivava de duas palavras egípcias, Ta e Rosh, significando “Caminho Real”. Esta etimologia pretendia ligar o Tarô à sabedoria perdida do Egito Antigo, supostamente preservada num “Livro de Thoth”. Uma variação desta teoria conecta o nome à deusa egípcia Ator (Hathor).
- Hebraica | No século XIX, o ocultista Eliphas Lévi e outros da escola cabalística estabeleceram uma forte conexão entre o Tarô e o misticismo judaico. A mais influente dessas conexões é a relação anagramática entre as quatro letras do nome: TARO – ROTA (latim para “roda”) – TORA (hebraico para “lei”) – ATOR (a deusa egípcia). Esta engenhosa construção ligou o Tarô à Lei Divina da Torá, ao conceito de ciclos do destino (Rota Fortunae) e à sabedoria egípcia, criando uma síntese esotérica poderosa. Outras conexões hebraicas incluem a palavra troa, que significa “porta”.

A Teia de Ecos Transculturais (Paralelos Fonéticos e Semânticos)
Além das principais teorias históricas e esotéricas, existe uma vasta rede de palavras de várias culturas que apresentam semelhanças fonéticas e semânticas com Tarô. Embora aparentemente especulativas, estas conexões contribuem para a riqueza poligênica do nome.
- Árabe | Foram propostas duas conexões árabes. A primeira é com o verbo taraha, que significa “rejeitar, descartar”, ecoando a raiz italiana tara. A segunda, mais simbólica, é com a palavra turuq ou arq, que significa “caminhos” ou “vias”. Esta última é particularmente ressonante no contexto do Sufismo, onde tariqa designa um caminho ou escola espiritual.
- Indo-Europeu e Asiático | Paralelos foram traçados com o sânscrito e o tibetano, onde Tr ou Tara é o nome de uma deusa estelar, cujo nome significa “estrela”. Na Irlanda, a Colina de Tara, um antigo local sagrado, foi associada ao Tarô por paralelismo mitológico. O termo chinês Dào (ou Tao), que significa “O Caminho”, é frequentemente citado em propostas esotéricas comparativas.
- Raízes Obscuras e Toponímicas | Outros candidatos incluem o rio Taro no norte da Itália, que poderia ter dado o nome ao jogo, e paralelos fonéticos em línguas como o trácio (tari, que significa “lança”) e uma série de palavras como taru encontradas em finlandês, estoniano, sumério e maori, com vários significados.
A tabela a seguir consolida este léxico abrangente, servindo como a base factual para a análise que se segue.
Tabela 1: Léxico Abrangente das Etimologias Propostas para “Tarô”
Palavra Raiz Proposta | Língua/Cultura de Origem | Significado Proposto | Classificação | Proponente/Contexto Principal |
tarocchi / tarocco | Italiano | “Discutir”; “algo contestado” | Documentado-Histórico | Linguística Académica |
tara | Latim via Italiano | “Dedução”, “perda de valor” | Documentado-Histórico | Linguística Académica |
Ta-Rosh | Egípcio Antigo (hipotético) | “Caminho Real” | Esotérico-Especulativo | Court de Gébelin (séc. XVIII) |
ATOR | Egípcio Antigo | Referência à deusa Hathor | Esotérico-Especulativo | Ocultismo do séc. XVIII-XIX |
Torah | Hebraico | “Lei”, “instrução divina” | Esotérico-Especulativo | Eliphas Lévi, Cabalismo (séc. XIX) |
ROTA | Latim | “Roda” | Esotérico-Especulativo | Parte do anagrama de Lévi |
ORAT | Latim | “Ele/ela reza” | Esotérico-Especulativo | Parte do anagrama de Lévi |
turuq / arq | Árabe | “Caminhos”, “vias” | Esotérico-Especulativo | Interpretação Sufi |
taraha | Árabe | “Rejeitar”, “descartar” | Fonético-Paralelo | Paralelo linguístico |
Tr / Tara | Sânscrito / Tibetano | “Estrela” (nome de uma deusa) | Esotérico-Especulativo | Teosofia, estudos comparativos |
Tara | Gaélico (Irlanda) | Nome da Colina de Tara, centro sagrado | Fonético-Paralelo | Paralelismo mitológico |
Dào (Tao) | Chinês | “O Caminho”, “a Via” | Esotérico-Especulativo | Estudos esotéricos comparativos |
tari | Trácio | “Lança” | Fonético-Paralelo | Especulação linguística |
hetairos | Grego | “Companheiros”, “camaradas” | Fonético-Paralelo | Especulação simbólica |
Taro (rio) | Toponímico (Itália) | Nome de um rio no norte da Itália | Fonético-Paralelo | Hipótese geográfica |

O Espelho Arcano: Correlacionando Etimologia com Arquétipo
Tendo tentado catalogar o vasto léxico de palavras candidatas, a análise passa agora da compilação à interpretação. Esta seção demonstra que os significados destas palavras não são coincidências aleatórias, mas reflexos diretos da estrutura simbólica internas do próprio Tarô. Meu argumento central é que os arquétipos fundamentais do Tarô atuam como uma malha do espaço-tempo de gravidade semântica, atraindo palavras de significado correspondente de diversas culturas e épocas.
O Princípio da Ressonância Simbólica
O método analítico aqui empregado é o do princípio da ressonância simbólica. Neste princípio postulo que a palavra Tarô funciona como um recipiente ressonante, atraindo paralelos fonéticos e semânticos que estão em sintonia com o seu conteúdo arquetípico.
Este fenômeno pode ser entendido através de quadros teóricos como o da sincronicidade de Carl Jung (você pode conversar diretamente com ele sobre este assunto clicando aqui), que descreve “coincidências significativas” onde eventos internos (psíquicos) e externos (materiais) se alinham de forma acausal, mas plena de significado. No caso do Tarô, defendo que a palavra e o símbolo alinham-se repetidamente. O significante e o significado são causa e ao mesmo tempo o seu próprio efeito.
Mapeando os Arcanos Maiores através da Etimologia
A demonstração mais poderosa deste princípio encontra-se nas correlações entre as etimologias e os Arcanos Maiores. Estas conexões não são aleatórias; elas agrupam-se em torno dos temas arquetípicos centrais do Tarô.
- A Jornada e o Caminho | Múltiplas raízes convergem no tema da “jornada” ou do “caminho”. O Ta-Rosh egípcio (“Caminho Real”), o arq/turuq árabe (“caminhos”) e o Dào chinês (“O Caminho”) apontam todos para a narrativa central do Tarô: a jornada do Louco (Arcano 0) através dos Arcanos Maiores. A ligação entre Tar-Ro (“Caminho Real”) e O Carro (Arcano VII), o arquétipo do progresso e da viagem direcionada, é particularmente direta e poderosa.
- Estrutura, Lei e Conhecimento | O anagrama do ocultista Eliphas Lévi estabelece uma ligação fundamental entre a Torah hebraica (“Lei”) e os arquétipos de autoridade espiritual, estrutura e ensinamento, como O Hierofante (Arcano V) ou A Justiça (Arcano VIII/XI). Da mesma forma, a parte ORAT do anagrama (“ele reza”) evoca a função sacerdotal do Hierofante ou a mestria ritualística do Mago (Arcano I).
- Ciclos e Transformação | Talvez a correlação mais famosa seja a de ROTA (latim para “roda”) com A Roda da Fortuna (Arcano X), o símbolo por excelência dos ciclos, do destino e da mudança inevitável. A esta junta-se a raiz histórica tara (“dedução, perda”), que se correlaciona perfeitamente com cartas de transição, consequência e perda necessária, como A Morte (Arcano XIII), A Torre (Arcano XVI) ou O Julgamento (Arcano XX).
- O Celestial e o Divino Feminino | As raízes que apontam para o cosmos e o princípio feminino também encontram correspondências exatas. A palavra sânscrita Tr ou Tara (“estrela”) liga-se inegavelmente a A Estrela (Arcano XVII), um arquétipo de esperança e orientação celestial. As deusas Astarte (fenícia) e Ator (egípcia) ressoam com os arquétipos do feminino divino, como A Imperatriz (Arcano III) e A Papisa (Arcano II).
Esses são só alguns exemplos, mas você mesmo pode iniciar sua busca pela original da palavra Tarô; e eu te garanto, o que você vai encontrar lá na ponta, não importa a origem, será uma das lâminas do próprio Tarô.

Ecos nos Arcanos Menores e Cartas da Corte
Este fenômeno de ressonância que trago para a mesa não se limita aos Arcanos Maiores; se a ressonância estivesse ligada somente a eles já seria maravilhosamente mágico. A palavra trácia tari (“lança”), por exemplo, encontra um eco claro no naipe de Espadas, o naipe das armas, do conflito e do intelecto cortante. O termo grego hetairos (“companheiros”), outro exemplo, correlaciona-se com cartas de relacionamento e aliança, como Os Enamorados (Arcano VI) ou o Dois de Copas. A palavra taru (“árvore”), encontrada em várias línguas, pode ser ligada ao naipe de Paus (tradicionalmente feitos de madeira) ou a cartas específicas em sistemas derivados, como a carta da Árvore no baralho Lenormand.
Na tabela seguinte tento sistematizar estas correlações, tornando visual a defesa central da minha tese.
Tabela 2: Correlacionando Raízes Etimológicas com o Simbolismo do Tarô
Palavra Raiz Proposta | Significado Simbólico | Arcano/Conceito Primário Correlacionado | Agrupamento Temático |
ROTA | “Roda”, “Ciclo” | X – A Roda da Fortuna | Ciclos do Destino |
Ta-Rosh / arq / Dào | “Caminho Real”, “Vias”, “O Caminho” | VII – O Carro; 0 – O Louco | A Jornada do Herói |
tara / taraha | “Dedução”, “Perda”, “Rejeição” | XIII – A Morte; XVI – A Torre | Transformação e Consequência |
Torah | “Lei Divina”, “Instrução” | V – O Hierofante; VIII/XI – A Justiça | Lei e Estrutura Espiritual |
Tr / Tara / Astarte | “Estrela”, “Deusa Celestial” | XVII – A Estrela; III – A Imperatriz | Orientação Celestial e o Divino Feminino |
ATOR / Hathor | “Deusa da Maternidade e Magia” | III – A Imperatriz; II – A Papisa | O Princípio Feminino Arquetípico |
ORAT | “Ele/ela reza” | V – O Hierofante; I – O Mago | Ritual e Conexão com o Divino |
tari | “Lança” | Naipe de Espadas | Intelecto, Conflito e Ação |
hetairos | “Companheiros” | VI – Os Enamorados; Dois de Copas | Relacionamento e Aliança |

Correlação entre Etimologias e Cartas do Tarô
Vou tentar demonstrar mais uma vez, através da tabela abaixo, que cada origem ou palavra-matriz associada ao termo Tarô ecoa simbolicamente em cartas específicas do próprio baralho (seja no Tarô de Marselha, no Tarô Smith-Waite ou o Lenormand/Cigano). Vamos organizar essa correlação:
Tabela 3
Palavra original / Etimologia | Significado | Carta(s) correspondente(s) |
ROTA (latim) = “roda” | Roda | A Roda da Fortuna (Maior Arcano X, Marselha/Rider) |
TAR / ṭarīq (árabe), Tao (chinês) = “caminho, via” | Caminho, percurso, estrada | O Louco (jornada), Dois de Paus (travessia), Ás de Ouros (início do caminho material, Rider) |
TĀRĀ (sânscrito) = “estrela, deusa que guia” | Estrela, guia celeste | A Estrela (Maior Arcano XVII, Marselha/Rider); Carta 16 – Estrela (Cigano) |
TARI / tāraka (sânscrito) = “barco, travessia, salvador” | Passagem, veículo, navegação | O Carro (Maior Arcano VII, Marselha/Rider); Carta 3 – Navio (Cigano) |
MERKAVAH (hebraico) = “carro divino” | Veículo celeste | O Carro (Arcano VII) |
LANÇA (trácio: tari) = arma, eixo, força vertical | Eixo, espada, foice | Ás de Espadas (Marselha/Rider); Carta 10 – Foice (Cigano) |
TARU (sânscrito, sumério, maori) = árvore, planta, retorno, grão | Árvore, eixo, fertilidade | Carta 5 – Árvore (Cigano); O Enforcado (pendurado na árvore do mundo, Marselha/Rider) |
DHUVA TĀRĀ (sânscrito) = estrela polar | Eixo fixo, guia | A Estrela (XVII); eixo cósmico representado em O Mundo (XXI) |
ORAT (latim) = fala, palavra, oração | Palavra, voz, oração | O Hierofante (V), O Mago (I) – o poder da palavra criadora |
ATOR (latim/egípcio Hathor) = deusa, princípio feminino, amor | Deusa Hathor (amor, música, fertilidade) | A Imperatriz (III), A Sacerdotisa (II) |
HETAIROS (grego) = companheiro, camarada | Companhia, sociedade | Os Enamorados (VI), Dois de Copas |
ASTARTE / ASTAROTH (fenício) = deusa da fecundidade, dos astros | Deusa celeste, Vênus | A Imperatriz (III), A Estrela (XVII) |
TARU (finlandês) = lenda, mito | Narrativa, história | O Louco (jornada mítica), O Mundo (síntese da história) |
TARU (estoniano) = colmeia | Comunidade organizada, labor | Oito de Ouros (trabalho coletivo), Carta 20 – Jardim (Cigano) |
TARA (francês “dedução”, “tara” no comércio) | perda, subtração, peso abatido | A Morte (XIII) – o que é retirado, o que sobra; também O Julgamento (XX) como ajuste de contas |
Como podemos ver, esta minha síntese de correlação cria um mapa etimológico-tarológico: cada origem para a palavra Tarô pode ser lida como um reflexo de um arcano. Assim, minha tese ganha força na medida em que a palavra Tarô não apenas tem múltiplas origens linguísticas, mas essas origens espelham o próprio sistema simbólico interno do Tarô.
Surpreendentemente, cada uma dessas raízes que faço questão de repetir logo abaixo, apenas com o objetivo de fixar este conhecimento, pode ser ligada simbolicamente a um arcano do tarô. Minha proposta é correlacionar o significado de cada palavra original com o tema de cada carta de um o baralho:
- Turuq – “quatro caminhos” | O Mundo (Arcano XXI): simboliza a totalidade dos caminhos da vida e a síntese dos quatro elementos, refletindo os “caminhos” da existência.
- Tarach – “rejeito” | O Louco (Arcano 0): representa a liberdade absoluta e a ruptura com convenções sociais; em certo sentido, o Louco é aquele que está “fora do sistema”, remetendo à ideia de ser afastado ou rejeitado pelas normas.
- Tarocco/Tara – “dedução/perda” | A Justiça (Arcano VIII): incide sobre equilíbrio, cálculo e consequências de ações (pagar débitos ou receber compensações). A Justiça deduz resultados justos, aludindo ao sentido de tara como ajuste de valor.
- Rota – “roda/círculo” | A Roda da Fortuna (Arcano X): temática literal de rotação e ciclos. A carta da Roda é sobre o movimento contínuo do destino e das transformações, exatamente o que evoca a noção de “roda”.
- Tar–Ro – “caminho real” | O Carro (Arcano VII): simboliza a jornada vitoriosa e o domínio dos obstáculos. O Carro é o veículo de um rei ou cavaleiro em seu caminho triunfal, associando-se ao “caminho real” que o termo egípcio sugere.
- Taru – “baralho de cartas” | O Mago (Arcano I): domina todos os elementos do tarô (as quatro naipes), sendo o arquétipo do criador que manipula símbolos. Como taru se refere ao próprio baralho, o Mago — que realiza sua vontade usando os instrumentos do baralho — parece o espelho desse conceito.
- Troa – “porta” | Julgamento (Arcano XX): figura uma espécie de portal ou passagem para uma nova fase (ressurreição final). O Arcano Julgamento é associado à ideia de transição definitiva, como atravessar a “porta” para um plano superior.
- Torah – “lei” | O Hierofante (Arcano V): sacerdote ou mestre espiritual, guardião da sabedoria e da tradição (semelhante à Torá como fonte de lei religiosa). O Hierofante representa a normatização espiritual e o ensino doutrinário, em consonância com o significado de “lei” sagrada.
Em cada caso, a palavra de origem projeta semanticamente uma carta emblemática do Tarô. Essa relação não se apoia apenas em evidências históricas concretas, mas também em um jogo simbólico: escolher uma raiz leva inevitavelmente a um arcano.
Então, por exemplo, em vez de simplesmente afirmar: o tarô tem origem no Ta-Rosh egípcio, que quer dizer “Caminho Real”; você pode afirmar: a origem egípcia do tarô nos leva aos arquétipo O Carro e O Louco. Em vez de afirmar: a origem de palavra Tarô vem do Indo-Europeu e Asiático Tr / Tara / Astarte, que quer dizer “Estrela”, “Deusa Celestial”; você pode afirmar: a origem Indo-Europeu do Tarô nos leva aos arquétipo A Estrela e A Imperatriz.
E assim por diante como em um leque de possibilidades que se abrem tanto para os maiores quanto para os menores arcanos!

O Tarô como um Oráculo Autonomeado
Antes de finalizar, seguem todas as origens e paralelos que tentei mapear correlatas clássicas do debate etimológico. Organizei minha última tabela por palavra original, língua/região, significado e tipo (documentada vs. simbólica) usando dois modelos de Inteligência Artificial: ChatGPT 5 Thinking e Google Gemini 2.5 PRO (Deep Research).
Você mesmo, ao organizar a sua própria tabela, chegará a mesma conclusão que eu: cada tentativa de dar origem à palavra Tarô levará consequentemente a um arquétipo do próprio Tarô.
Tabela 4
Palavra original | Língua / Região | Significado original (glossa curta) | Tipo | Observações de origem/etimologia |
tarocchi (pl.), tarocco (sg.) | Italiano (norte da Itália, séc. XVI) | nome do jogo/baralho | Documentada | Forma histórica nuclear; provável relação com tara (“dedução”, “perda de valor”) citada por dicionários históricos; também já se propôs relação com verbos dialetais (taroccar = brigar/disputar). |
tarot | Francês (séc. XVII) | nome do jogo/baralho | Documentada | Galicismo a partir de tarocchi; grafia antiga tarau (Rabelais, 1534). |
Tarock / Tarok | Alemão (sécs. XVII–XIX) | nome do jogo/baralho | Documentada | Empréstimo do italiano; família dos jogos de vaza. |
tarô | Português (moderno) | nome do baralho | Documentada | Via francês tarot. |
taroté / tarotée | Francês (1642) | “quadriculado/reticulado” (padrão no dorso) | Documentada (derivado) | Adjetivos para o padrão gráfico do verso das cartas. |
tarotier | Francês (1594) | “operário/impressor do dorso do jogo” | Documentada (profissão) | Nome de ofício ligado à produção das cartas. |
tara | Latim via francês/italiano | “dedução”, “desconto”, “tara” | Hipótese etimológica | Explica tarocchi por metáfora do “separar/abater” no jogo. |
tarau | Francês antigo | forma antiga do nome do jogo | Documentada | Grafia de transição até fixar-se tarot. |
TAR-RO / ROG (“caminho real”) | Leitura simbolista (séc. XVIII) | TAR = “caminho”; RO/ROG = “real” | Simbólica/Espec. | Atribuída a Court de Gébelin; sem base linguística histórica. |
hetairos (ἑταῖρος) → hetairoi | Grego | “companheiro”, “camarada” | Simbólica/Espec. | Proposta por Pietro Aretino (séc. XVI) por semelhança sonora. |
Astarte / Astaroth | Fenício / tradição bíblica | nome de deidade | Simbólica/Espec. | Jean-Alexandre Vaillant (séc. XIX) sugeriu relação por nome. |
Torá (תורה) | Hebraico | “lei”, “instrução” | Simbólica/Espec. | Usada em jogos anagramáticos TORA/ROTA/TARO/ATOR. |
ROTA | Latim | “roda” | Simbólica/Espec. | Anagrama clássico (Roda da Fortuna; eixo). |
ORAT / oratio | Latim | “fala”, “pregação” | Simbólica/Espec. | Outro termo do tetragrama simbólico no livro. |
ATOR | Latim | “agente, aquele que faz” | Simbólica/Espec. | Completa o quadrado anagramático TARO/TORA/ROTA/ATOR. |
ṭarīq / ṭarīqa / ṭuruq | Árabe clássico | “caminho / via (espiritual) / caminhos” | Simbólica/Espec. | Paralelos com sufismo (ordens “ṭuruq”); casa bem com “via”, “travessia”. |
tarāḥ / taraha (طرح) | Árabe | “descartar, pôr de lado” | Simbólica/Espec. | Parentesco semântico com “deduzir/tirar” (imagem associada ao jogo). |
tārá / Tārā (तारा) | Sânscrito / Índico | “estrela”; nome de deidade; “a que faz atravessar/salva” | Simbólica/Espec. | Em budismo/hinduísmo, Tārā é “salvadora” (da raiz de “atravessar”). |
tāraka / tārakaḥ | Sânscrito | “salvador”, “o que faz atravessar”; também “estrela” em composições | Simbólica/Espec. | Liga “estrela” a “travessia/iniciação”. |
tāraṇa | Sânscrito | “ato de atravessar”, “travessia”, “passagem”; “balsa/jangada” (metaf.) | Simbólica/Espec. | Associado no livro a “veículo” e turbilhões (Ezequiel/Merkabah). |
tari / tāri | Sânscrito/Prácrito (paralelos índicos) | “barco”, “navio”, “balsa” | Simbólica/Espec. | Vocábulo náutico usado como chave de “passagem”. |
taram | Sânscrito (poético) | “onda”, “vaga”, “redemoinho”, “o que vai e vem” | Simbólica/Espec. | Conecta-se a dinâmica/vórtice (livro: vórtice toroidal). |
taru | Sânscrito | “árvore”, “planta”, “erva” | Simbólica/Espec. | Pivô da leitura “Tarô como Árvore universal/axis mundi”. |
dhruva tārā | Sânscrito | “estrela polar” | Simbólica/Espec. | Evoca eixo do mundo (fixo), usado no capítulo. |
yāna (यान) | Sânscrito | “veículo” | Simbólica/Espec. | Par com vajra-yāna (veículo do diamante). |
vajra (वज्र)** | Sânscrito | “raio”, “diamante” | Simbólica/Espec. | Ligado ao “relâmpago” que percorre as sefirot. |
Merkavah / Merkaba (מרכבה) | Hebraico místico | “carro” (trono-carro celeste) | Simbólica/Espec. | Arquétipo do veículo/ascensão; paralelo no texto. |
taru | Maori | “planta”, “grão” | Simbólica/Espec. | Paralelo léxico distante citado no livro. |
taru | Sumério (citado no cap.) | “retorno (ao Princípio)” | Simbólica/Espec. | Aparece como paralelo etimológico/mitopoético no texto. |
tari (Trácia) | Trácio (citado) | “lança” | Simbólica/Espec. | Símbolo do eixo/axis mundi. |
taru | Finlandês moderno | “lenda”, “mito” | Simbólica/Espec. | Atual, mas usado como eco semântico de “narrativa”. |
taru | Estoniano | “colmeia” | Simbólica/Espec. | Evocado para a ideia de “ordenação/retorno” (hexágonos/geom.). |
Taro (rio) | Topônimo (Emília-Romanha) | nome de rio italiano | Hipótese toponímica | Já sugerido como fonte; pouco provável, mas recorrente em literatura. |
Eg. “Ta-Rosh” / Hathor (Ator) | Egípcio (propostas do séc. XVIII) | “caminho real” / nome de deusa | Simbólica/Espec. | Hipóteses de Court de Gébelin e continuadores; sem comprovação histórica. |
A tabela precedente sintetiza as evidências para uma nova compreensão da etimologia do Tarô. Embora a origem histórica da palavra resida no termo italiano tarocchi, a sua origem simbólica é demonstradamente plural e poligênica. A busca por uma única raiz linguística é, em si mesma, uma abordagem que falha em reconhecer a natureza do nosso objeto de estudo.
A palavra Tarô não é meramente um rótulo para um sistema de símbolos; a palavra Tarô é seu própria símbolo. O seu mistério etimológico é um reflexo perfeito da sua função oracular. Perguntar “O que significa a palavra Tarô?” é análogo a tirar uma carta: a resposta que emerge depende do caminho de investigação escolhido, mas cada resposta — seja ROTA, TORA ou Ta-Rosh — é significativa e relevante para o todo.
Em última análise, minha tese de que “todas as origens têm razão mas, ao mesmo tempo, nenhuma está totalmente certa” é aqui afirmada, não como uma contradição, mas como o princípio fundamental do nome ressonante do Tarô. A magia não reside em encontrar uma única origem oculta, mas em reconhecer que o próprio nome é um portal aberto, um nexo onde múltiplas línguas, culturas e arquétipos convergem para um leque de possibilidades. A busca pela origem do nome é, em si, uma jornada através da sabedoria das cartas.
Portanto, a única e verdadeira origem para o significado da palavra Tarô é que, enquanto um arcano mágico, o Tarô é em si seu próprio significado cada vez que se atribui a ele nova origem e significado. À frente de todas as palavras supostamente originárias que teriam dado origem a palavra Tarô encontra-se o significado constante de uma das cartas do tarô e seu arquétipo ligado aparece como num passe mágica. Quer dizer, não é só mágica, é também o Universo esplendoroso criado por Deus conversando com a gente!
Maguš ʿĒḏen
Ordem dos Quatro Magos
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Se você for fazer uso desse conhecimento que eu trouxe de maneira inédita, seja gentil e cite a fonte. Citar a fonte não se trata apenas de ser respeitoso com o autor da tese, mas entender e reconhecer que o conhecimento transita em nosso mundo por meio de pessoas que as registraram e as compartilharam. Quando se atribui a si próprio um conhecimento que não foi você quem concebeu, você está sinalizando ao seu mundo interno o quanto você é alheio e ignorante perante o próprio conhecimento que adquiriu.
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