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As Origens Remotas dos Oráculos

Desde tempos imemoriais, as civilizações humanas buscaram métodos de oráculo – meios de obter respostas ou vislumbres do futuro e da vontade divina. Nas antigas culturas da Mesopotâmia, Egito, China, Grécia, Roma, Índia e tantas outras, floresceram diversas artes divinatórias: astrologia, interpretação de presságios na natureza, sorteios sagrados, consultas a sacerdotes inspirados, leitura de entranhas de animais, sonhos proféticos, entre muitos métodos.

Neste texto, explorarei as origens remotas dessas práticas oraculares, tal como eram realizadas na Antiguidade, com exemplos práticos de seu funcionamento em diferentes povos antigos. Em linguagem acessível, mas com rigor histórico, revelarei como essas artes divinatórias nasceram e se desenvolveram em distintos contextos culturais, muito antes do esoterismo moderno – evitando quaisquer referências a práticas da era contemporânea ou interpretações místicas posteriores.

Mesopotâmia | presságios celestes e vísceras sagradas
Mesopotâmia | presságios celestes e vísceras sagradas

Mesopotâmia | presságios celestes e vísceras sagradas

A antiga Mesopotâmia (terra entre os rios Tigre e Eufrates, berço de sumérios, babilônios e assírios) é pródiga em evidências das primeiras práticas oraculares sistematizadas da história. Os mesopotâmios acreditavam que os deuses deixavam sinais de sua vontade em praticamente tudo ao redor. Seu cosmos interligado fazia com que cada acontecimento – seja um eclipse solar, a forma de uma nuvem ou uma anomalia no nascimento de um animal – pudesse ser portador de um presságio sobre eventos futuros. Tamanha era a confiança nessa comunicação divina que enormes compêndios de omens (presságios) foram compilados por escribas sacerdotais.

Esses textos listavam milhares de cenários e seu significado preditivo, sendo encarados quase como “leis” da ordem divina reveladas pelos deuses nos tempos primevos. Não por acaso, assiriólogos modernos como Jean Bottéro apontam que a adivinhação mesopotâmica evoluiu para um caráter de verdadeira proto-ciência, de tão complexas e rigorosas que eram suas técnicas de interpretação.

Dois métodos principais de oráculo destacaram-se na Mesopotâmia: a observação do céu (astrologia) e a inspeção de vísceras de animais sacrificados (extispício). O astrônomo-sacerdote mesopotâmico escrutinava as estrelas, planetas, eclipses e outros fenômenos celestes buscando neles uma forma de “escrita celeste” – entendendo o firmamento noturno como um grande texto onde os deuses escreviam presságios.

Essa tradição levou ao desenvolvimento da astrologia mais antiga conhecida: já no segundo milênio a.C., os babilônios registravam meticulosamente ocorrências astronômicas ligadas ao destino do rei e do reino, culminando em compêndios como o Enūma Anu Enlil, que catalogava presságios celestiais em escala monumental.

Paralelamente, outro especialista, o baru (adivinho-sacerdote), conduzia rituais de sacrifício ovino para examinar órgãos internos – especialmente o fígado – em busca de irregularidades ou marcas interpretáveis. Essa prática é conhecida como hepatoscopia (leitura do fígado) e faz parte do extispício. O fígado do cordeiro era considerado o principal local de morada da vida e, portanto, um tablado privilegiado para a mensagem dos deuses. Depois do sacrifício, o baru inspecionava minuciosamente forma, cor, texturas e eventuais malformações no fígado e demais vísceras; cada detalhe correspondia a uma mensagem codificada. Modelos de fígado em argila encontrados por arqueólogos confirmam que os mesopotâmios mapeavam seções específicas do órgão, dando-lhes significados oraculares fixos. Assim, se uma certa marca surgisse num lóbulo particular, poderia significar “vitória na batalha” ou “morte do rei”, conforme o manual de presságios. Esse método – a haruspicina, como os romanos depois o chamariam – colocava o sacerdote diante do desafio de ler o organismo sacrificial como um texto divino.

A abrangência da adivinhação mesopotâmica não terminava aí. Sonhos eram levados muito a sério: registros escritos (como o Livro dos Sonhos atribuído ao rei assírio Assurbanípal) mostram interpretações detalhadas de sonhos comuns, baseadas em simbolismos fixos. Por exemplo, sonhar com água correndo poderia ser bom presságio de abundância, ao passo que sonhar com um leão rugindo podia alertar sobre perigo real para o sonhador. Além disso, sinais fortuitos do cotidiano – o voo de pássaros, o encontro inesperado com certo animal, o comportamento de um recém-nascido – tudo podia ser analisado.

As fontes cuneiformes indicam que “não havia diferença entre fenômenos naturais e artificiais” para esse fim: tanto um trovão (natural) quanto um acidente em obra (provocado) poderiam ser interpretados desde que ocorressem sob circunstâncias significativas. Em suma, o povo da Mesopotâmia viveu mergulhado em um universo de presságios onipresentes, onde o papel do oráculo era traduzir a linguagem secreta dos deuses para orientar reis e comunidades mortais.

Egito Antigo | os deuses respondem em procissão e sonho
Egito Antigo | os deuses respondem em procissão e sonho

Egito Antigo | os deuses respondem em procissão e sonho

No Egito faraônico, práticas oraculares também floresceram, embora de forma diferente. A religião egípcia sempre valorizou sinais divinos (por exemplo, sonhos e aparições), mas foi sobretudo no Novo Império (c. 1550–1070 a.C.) que os oráculos formais ganharam destaque nas fontes. A partir da XIX e XX dinastias, há inúmeros registros de consultas oraculares feitas diretamente a estátuas de deuses durante festivais religiosos.

Nas chamadas procissões oraculares, a imagem do deus (geralmente um ídolo portátil guardado num barco cerimonial, o barco sagrado) era carregada pelos sacerdotes fora do templo, pelas ruas, em meio aos fiéis. As pessoas podiam então apresentar perguntas ao deus – tipicamente questões de sim ou não, previamente formuladas de modo inequívoco. A resposta era inferida a partir dos movimentos da estátua: por convenção, se os carregadores (supostamente guiados pela vontade divina) sentissem o ídolo inclinar-se para frente ou “acenar” com certa oscilação, interpretava-se como um “sim”; já a imobilidade significava “não”.

Para evitar fraudes conscientes ou inconscientes dos sacerdotes que carregavam o deus, havia todo um protocolo – por exemplo, às vezes as perguntas eram escritas em papiros lacrados e colocadas no caminho da procissão, de modo que os portadores não soubessem o conteúdo e não pudessem influenciar deliberadamente a resposta.

Esses oráculos estatuários foram empregados em questões de grande importância. Diversos faraós, como Hatshepsut (séc. XV a.C.) e Tutmósis III, registraram em inscrições que o deus Amón os havia escolhido e proclamado como governantes legítimos diante da multidão, através de oráculos em Karnak. Tais oráculos serviam, portanto, como uma espécie de plebiscito divino para legitimação política – na narrativa egípcia, era o próprio deus confirmando a autoridade do monarca.

Oráculos estatais também foram consultados antes de expedições militares ou em face de rebeliões estrangeiras, buscando saber se o deus apoiava ou reprovava a empreitada bélica. Funcionários de alto escalão chegaram a solicitar do oráculo aprovação para seus atos administrativos, a fim de assegurar que agiam em conformidade com Ma’at (a ordem cósmica) perante a divindade.

A vida cotidiana igualmente oferecia espaço para a intervenção oracular. Problemas comuns – quem roubou meu gado?, é seguro casar minha filha com tal pessoa?, o falecido está satisfeito com seu túmulo? – podiam ser submetidos ao julgamento do deus. Há um caso notável, preservado em texto hierático, de um suspeito de roubo que ele próprio era membro do tribunal legal: pela impossibilidade de um julgamento imparcial, decidiram levar a questão ao oráculo do deus, que acabou por identificar o culpado através de sucessivas consultas afirmativas/negativas. Também se conhece o exemplo de um ladrão insistente que, mesmo declarado culpado pelo primeiro oráculo consultado, recorreu a um segundo deus na esperança de absolvição – mostrando que a “peleja jurídica” podia se estender ao mundo divino com recursos e contraprovas oraculares.

O deus mais frequentemente consultado nos oráculos egípcios foi Amon-Rá, especialmente em Tebas (Karnak/Luxor). De fato, o Festival do Vale e a Festa de Opet – as maiores festividades anuais de Tebas – incluíam largas procissões de Amon e eram ocasiões propícias para a prática oracular pública. Tamanha era a centralidade dos oráculos nesses eventos que, no pátio do templo de Karnak, instituiu-se até mesmo uma celebração específica chamada “Festival do Oráculo”.

Outros deuses também respondiam: em Deir el-Medina (aldeia dos artesãos das tumbas reais), o patrono local Amenófis I era frequentemente consultado pelos trabalhadores como oráculo pessoal. Durante o Período Tardio e a era greco-romana, multiplicaram-se relatos de oráculos egípcios – alguns em formatos distintos, como oráculos em sonhos (incubação) e oráculos falados por estátuas animadas.

Além das procissões, os egípcios antigos reconheciam formas mais espontâneas de oráculo. Uma delas era a incubação de sonhos: pessoas afligidas por doenças dormiam nos recintos sagrados esperando receber em sonho uma mensagem curativa do deus. O templo de Serápis em Mênfis e, principalmente, os santuários de Imhotep/Asclépio (o deus médico) tornaram-se famosos na Antiguidade por essa prática – doentes relatavam ter sonhado com o deus indicando um determinado remédio ou ritual, que ao ser cumprido levava à cura milagrosa.

Temos também o belíssimo exemplo da Estela do Sonho de Tutmósis IV: quando jovem príncipe, ele adormeceu à sombra da Grande Esfinge de Gizé e sonhou que o deus (a Esfinge) lhe pedia para ser desenterrado da areia, prometendo em troca fazê-lo faraó. Tutmósis mandou então escavar a Esfinge e, de fato, acabou ascendendo ao trono – deixando gravado entre as patas da estátua o relato de que aquele reinado fora uma graça oracular recebida em sonho.

Os oráculos egípcios antigos nem sempre foram tão enigmatizantes quanto os gregos viriam a ser. Muitas vezes limitavam-se a “sim” ou “não”. Porém, escritores posteriores mencionam casos de oráculos mais eloquentes: por exemplo, no período greco-romano, alguns templos usavam artifícios para produzir respostas faladas – sacerdotes escondidos em câmaras secretas projetavam vozes através de tubos, simulando a voz do deus estatutário. Autores clássicos sugeriram que o famoso Oráculo de Ámon em Siuá (oásis no deserto da Líbia) possuía um mecanismo similar, permitindo que um sacerdote, oculto, anunciasse as respostas divinas aos consulentes.

Esse oráculo de Siuá, originalmente do deus egípcio Amon, tornou-se célebre após a visita de Alexandre Magno em 331 a.C.: o conquistador macedônio adentrou o santuário e recebeu do deus (ou de seus sacerdotes) a saudação como filho de Zeus-Amón, legitimando-o simbolicamente como governante divino do Egito. Mesmo que houvesse truques teatrais por trás de alguns oráculos tardios, é inegável que, para os fiéis, a experiência oracular era profundamente autêntica – um contato real com a divindade, fosse pelo silêncio eloquente de uma estátua que acena ou pela voz misteriosa que ecoa de uma capela.

China | Antiga ossos que falam e o livro das mutações
China | Antiga ossos que falam e o livro das mutações

China Antiga | ossos que falam e o livro das mutações

Na China dos primórdios, encontramos práticas divinatórias igualmente antigas, mas de natureza bastante diversa. A mais antiga forma de oráculo chinês conhecida é a osteomancia por piroescápula – em termos simples, a adivinhação por meio de ossos e carapaças aquecidos até trincar. Essa técnica remonta à Dinastia Shang (c. 1600–1046 a.C.) e nos legou as famosas “ossadas oraculares” (oracle bones, em inglês).

Em escavações arqueológicas de antigos centros Shang (como Anyang), foram desenterrados milhares de pedaços de carapaças de tartaruga e omoplatas de boi contendo inscrições divinatórias. O procedimento era altamente cerimonial: o rei ou um adivinho real primeiro enunciava uma pergunta dirigida aos antepassados ou a um deus – por exemplo, “Haverá chuvas abundantes na próxima colheita?” ou “Deveríamos lançar uma campanha militar contra a tribo vizinha?”. Em seguida, os técnicos preparavam o material: limpavam e lixavam a carapaça ou osso e, pelo lado interno, faziam pequenos furos ou sulcos. Então aplicavam um ferro em brasa nessas cavidades, o que gerava um súbito estalo e o aparecimento de rachaduras na face oposta do osso. O padrão dessas fissuras – sua direção, forma, profundidade – era interpretado pelo adivinho como a resposta sobrenatural à pergunta feita. Por exemplo, uma rachadura que corresse para a direita poderia significar “sim, haverá sucesso”, ao passo que uma trinca para a esquerda indicaria “não, haverá problemas”. As respostas consideradas favoráveis ou não seguiam uma convenção binária, e os mestres adivinhos Shang afiavam sua sensibilidade em “ler” essas mensagens flamejantes do mundo espiritual.

Um aspecto notável do oráculo Shang é que os chineses registravam por escrito todo o processo no próprio osso utilizado. Após a sessão, um escriba gravava ao lado da fenda o texto da pergunta feita (a chamada “carga” oracular), possivelmente também a interpretação dada pelo adivinho e, em alguns casos, o resultado verificável posteriormente obtido.

Assim, por exemplo, uma inscrição típica podia dizer: “No décimo dia do mês, o rei perguntou: ‘Se caçarmos em X, retornaremos sem infortúnios?’ Quebrou-se o casco e leu-se o presságio: ‘Auspicioso’. De fato, caçamos e obtivemos uma peça de búfalo, um tigre e sete raposas.”. Esse registro completo demonstra uma preocupação não apenas em obter a previsão, mas também em validá-la (verificando o resultado real) – o que reforça o caráter quase empírico da divinação chinesa antiga, contribuindo inclusive para o desenvolvimento inicial da escrita chinesa (muitos caracteres têm origem nesses registros).

Os ossos oraculares da dinastia Shang revelam um panorama fascinante do uso político e social da adivinhação. Eles eram empregados sobretudo pelo rei e sua corte, consultando os espíritos ancestrais reais sobre decisões de estado (guerras, rituais, construção de cidades) ou questões naturais cruciais (colheitas, cheias do rio Amarelo, eclipses). Havia, claro, consultas mais pessoais – saúde do rei, nascimentos, sonhos e presságios experimentados pela família real. As perguntas eram formuladas em pares opostos (p.ex.: “acontecerá X” versus “não acontecerá X”) para cobrir todas as possibilidades e garantir que alguma resposta fosse obtida.

Os ancestrais eram vistos como intermediários junto aos deuses: o rei Shang, ao que parece, acreditava genuinamente que seus antepassados – entes já divinizados após a morte – respondiam através do fogo nos ossos, guiando os destinos do reino.

Com a queda da dinastia Shang e o advento da dinastia Zhou (a partir de 1046 a.C.), a prática das ossadas oraculares gradualmente caiu em segundo plano. Os novos governantes Zhou mantiveram por algum tempo a osteomancia, mas desenvolveram (ou adotaram) outro sistema divinatório que se tornaria símbolo da sabedoria chinesa: o método do I Ching – o Livro das Mutações. Segundo a tradição, o I Ching origina-se dos primeiros reis e sábios lendários (Fuxi, Rei Wen), mas os estudos indicam que sua formulação textual consolidou-se durante a primeira metade do primeiro milênio a.C., sob os Zhou por volta do século VIII a.C.. O I Ching difere bastante do oráculo Shang: ele não depende de fenômenos físicos como trincas, mas sim de sortes aleatórias combinadas a um manual interpretativo. O consulente lança varetas de milefólio (ou, em épocas posteriores, moedas) para gerar um padrão de linhas inteiras ou quebradas, formando um de 64 hexagramas possíveis. Cada hexagrama corresponde a um capítulo no Livro das Mutações, com comentários filosóficos e poéticos que orientam a entender a situação presente e as tendências futuras.

O I Ching oferece uma resposta mais reflexiva e ambígua, exigindo que o próprio consulente medite sobre o resultado, ao invés de dar um “sim” ou “não” direto. Durante o período Zhou e subsequentes, o I Ching tornou-se o oráculo por excelência da elite letrada chinesa – tanto que integra o cânone dos Cinco Clássicos de Confúcio. Assim, podemos dizer que na China antiga ocorreu uma transição: dos oráculos piromânticos e diretos (Shang) para oráculos literários e simbólicos (Zhou em diante). Ainda assim, a sede de conhecimento oracular permaneceu uma constante: imperadores e plebeus continuaram buscando vislumbres do futuro, seja decifrando carapaças queimadas, seja consultando os elegantes versos do I Ching.

Índia Antiga | astrologia vedica e os augúrios de Shakuna
Índia Antiga | astrologia vedica e os augúrios de Shakuna

Índia Antiga | astrologia vedica e os augúrios de Shakuna

A Índia antiga, berço do hinduísmo e de ricas tradições filosóficas, desenvolveu suas artes divinatórias em meio a concepções religiosas peculiares. Diferentemente de Mesopotâmia ou China, não encontramos na Índia védica registros de um oráculo centralizado em um templo ou figura profética específica; ao invés disso, surgiram diversos métodos de prever o destino, muitos dos quais ligados à observação dos astros e de presságios naturais.

Um dos legados mais notáveis da Índia antiga ao mundo esotérico foi a astrologia, conhecida em sânscrito como jyotiṣa (literalmente “ciência da luz [celestial]”). Já durante o período védico tardio (por volta do século VI a.C.), a astrologia era reconhecida como uma das seis disciplinas auxiliares dos Vedas (os Vedāṅga). Os textos védicos demonstram preocupação em determinar momentos auspiciosos para rituais e eventos – por exemplo, calcular quando a Lua entraria na mansão estelar propícia (nakṣatra) para realizar um sacrifício importante.

O mais antigo tratado astrológico hindu preservado é o Vedāṅga Jyotiṣa (c. 500–400 a.C.), que contém regras para calcular o calendário lunisolar e indica tempos favoráveis ou desfavoráveis para atividades, baseando-se no ciclo dos luminares (Sol e Lua) e nas 27 constelações (nakshatras) do zodíaco lunar. Esse primeiro momento da astrologia indiana era, portanto, intimamente ligado à religião ritual – um instrumento para alinhar as ações humanas com o cosmo sagrado.

Nos séculos seguintes, o saber astrológico indiano expandiu-se e sofisticou-se, em parte graças a influências externas. Por volta do início da era cristã, durante o Período Clássico, ocorre um influxo de conceitos da astrologia helenística (grega) trazidos por meio do contato com reinos indo-gregos e persas. Os indianos então incorporaram o zodíaco solar de 12 signos e a teoria dos sete planetas (grahas), consolidando a chamada astrologia horoscópica – aquela que levanta mapas astrais individuais e prevê tendências de vida conforme a posição dos planetas nos signos.

Os primeiros textos em sânscrito sobre horóscopos, como o Yavanajataka (traduzido do grego no século II d.C.) e o Brihat Samhitá de Varahamihira (século VI), evidenciam esse sincretismo: falam tanto de nakshatras védicos quanto de signos e casas zodiacais de origem ocidental. Ainda assim, a astrologia indiana manteve um sabor próprio, vinculando-se à crença no karma e no ciclo de renascimentos – o mapa astral de alguém seria um reflexo de seus méritos e deméritos passados, influenciando seu destino atual.

Mas nem só de estrelas vivia a adivinhação no subcontinente. Uma rica tradição de nimitta (presságios) e śakuna (augúrios) floresceu já em tempos antigos e prosseguiu pela era clássica. Os épicos hindus Mahabharata e Ramayana (compilados entre séc. IV a.C. e IV d.C.) estão repletos de episódios em que personagens interpretam sinais do ambiente: o piar de um pássaro na direção esquerda podia ser mau agouro; um trovão em céu limpo, um aviso dos deuses; o encontro com uma mangusta no caminho, um presságio de sorte inesperada.

Esses saberes populares foram sistematizados em manuais e capítulos específicos dentro de obras maiores. Por exemplo, o Brihat Samhitá (enciclopédia compilada pelo astrônomo Varahamihira no séc. VI d.C.) dedica vários capítulos à chamada “ciência dos presságios”: inclui seções de Śakuna-śāstra (observação de animais, especialmente pássaros, para prever eventos), de Gauli-śāstra (interpretação do aparecimento e dos sons de lagartixas e lagartos) e de Svapna-śāstra (significados dos sonhos), entre outras categorias curiosas. Essa literatura ensina, por exemplo, que se um pássaro pousar à direita do viajante ao início da jornada, esta será bem-sucedida; se uma lagartixa cair do teto sobre determinada parte do corpo de alguém, distintos resultados estão prenunciados (felicidade, morte de parente, ganho de riqueza, etc., dependendo da parte do corpo); se alguém sonhar com dentes caindo, isso augura morte na família, e assim por diante. Tais crenças estavam enraizadas no cotidiano – até hoje, muitos desses augúrios persistem no folclore indiano.

Outra forma tradicional de oráculo na Índia foi a lotaria divina. Templos hindus antigos às vezes recorriam ao método de sortear folhas ou objetos associados a respostas divinas. Um exemplo que atravessou os séculos é a prática conhecida como prasna (pergunta) no templo de Jagannath em Puri: fiéis fazem perguntas sim/não e dois sacos de pedrinhas (representando sim e não) são chacoalhados diante da imagem divina; considera-se válida a resposta do saco do qual cair uma pedra primeiro. Métodos assim, embora simples, ecoam a ideia universal de que os deuses podem se manifestar através do acaso orientado.

Por fim, vale mencionar que a própria fisionomia e características pessoais eram tomadas como oráculos do destino na Índia antiga. Textos como o Samudrika-śāstra compilaram ensinamentos sobre ler o futuro de alguém pelas linhas das mãos (quiromancia), pelos sinais faciais, marcas de nascença, etc. Ainda que esse tipo de adivinhação seja mais “diagnóstico” do que um oráculo consultivo, ele reforça o quanto a mentalidade indiana clássica estava permeada por crenças na legibilidade oculta do mundo – seja no firmamento estrelado, no vôo de um papagaio ou nas palmas das mãos humanas.

Grécia Antiga | a voz dos deuses em Delfos e além
Grécia Antiga | a voz dos deuses em Delfos e além

Grécia Antiga | a voz dos deuses em Delfos e além

Nenhum panorama de oráculos estaria completo sem a Grécia Antiga, onde a própria palavra “oráculo” (do latim oraculum, “resposta [divina]”) ganhou seu sentido clássico. Os gregos antigos legaram à posteridade alguns dos oráculos mais famosos e influentes da história, em especial o Oráculo de Apolo em Delfos. Diferentemente de muitas culturas orientais, nas quais a adivinhação era tarefa de sacerdotes intérpretes de sinais, os gregos concebiam certos locais e pessoas como canal direto da divindade – verdadeiros porta-vozes dos deuses. Assim, um oráculo grego geralmente referia-se a um lugar sagrado onde uma divindade, através de um médium humano (geralmente uma sacerdotisa ou sacerdote), proferia conselhos e profecias.

elfos, no centro da Grécia continental, era considerado “o umbigo do mundo” helênico e sediava o oráculo de Apolo mais reverenciado. Ali, a mediadora era conhecida como Pítia – uma sacerdotisa que servia ao deus Apolo. Somente mulheres de reputação ilibada e acima de 50 anos podiam exercer essa função, e uma vez investidas elas viviam separadas, mantendo pureza semelhante à virgindade (embora fossem maduras, vestiam-se com trajes de jovem).

A cerimônia oracular em Delfos ocorria originalmente apenas uma vez ao mês (no sétimo dia, considerado sagrado a Apolo), exceto durante os três meses de inverno em que, acreditava-se, Apolo se ausentava e Dioniso tomava seu lugar – período em que não se davam consultas. No dia marcado, após rituais preparatórios (como o banho da Pítia na fonte Castália e o sacrifício de uma cabra para testar se Apolo estava disposto a falar naquele dia), a sacerdotisa descia a uma câmara subterrânea do templo de Apolo, sentava-se em um trípode sagrado e entrava em transe. As descrições antigas relatam que a Pítia mascava folhas de louro – planta consagrada a Apolo – e talvez inalava vapores emanados de fendas na terra (há teorias modernas sobre gases naturais intoxicantes no solo de Delfos). Em estado de êxtase, ela então proferia sons, frases desconexas ou mesmo gritos inspirados pelo deus. Essas palavras brutas, muitas vezes incompreensíveis, eram imediatamente tomadas pelos sacerdotes assistentes, que as traduziam em versos – tipicamente hexâmetros poéticos – formulando assim a resposta oracular coerente que seria entregue ao consulente. A resposta do oráculo délfico era famosa por sua ambiguidade e profundidade enigmática: Apolo raramente dava instruções diretas; ao contrário, suas profecias podiam ser metáforas ou enunciados duvidosos que desafiavam a interpretação humana.

O rei Creso da Lídia, por exemplo, ao perguntar se deveria atacar o Império Persa, recebeu o vaticínio: “Se fores à guerra, destruirás um grande império.” Creso interpretou como um incentivo para atacar – mas o império destruído acabou sendo o seu próprio. Esse episódio clássico ilustra como o oráculo de Delfos, apesar de venerado, tinha um caráter quase literário, exigindo prudência e inteligência de quem o consultava.

Além de Delfos, a Grécia contava com inúmeros outros oráculos renomados. O mais antigo de que se tinha notícia era o Oráculo de Zeus em Dodona, no Épiro (noroeste grego). Ali, em um bosque de carvalhos sagrados dedicados a Zeus e à Mãe Terra (Gaia), sacerdotes – e posteriormente sacerdotisas – interpretavam o sussurro do vento nas folhas das árvores como a voz de Zeus. Complementarmente, diz-se que tinham um grande caldeirão de bronze que, ao ser tocado pelo vento ou por varas, emitia sons ressonantes, interpretados como mensagens divinas.

Diferente do elaborado ritual délfico, Dodona oferecia um oráculo mais “natural”: os fiéis penduravam tábuas com perguntas na árvore sagrada, e o murmúrio das folhas ao vento (as fíguras que o som formava, ou até o voo de pombas sagradas entre os galhos) era traduzido pelos sacerdotes em respostas inspiradas. Não obstante sua simplicidade rústica, Dodona foi altamente respeitada – Homero já a menciona na Ilíada, e muitos viajantes faziam a penosa jornada até lá em busca de conselhos de Zeus.

Outros locais oraculares pontilhavam o mapa grego: em Delos, ilha natal de Apolo, havia um oráculo do próprio Apolo; em Olímpia, o altar de Zeus às vezes servia a auspícios pela observação dos sacrifícios. Havia ainda oráculos especializados, como os oráculos de cura ligados a Asclépio (o deus da medicina). Em Epidauro, principal santuário de Asclépio, doentes dormiam no abaton (dormitório sagrado) esperando sonhar com o deus, que lhes revelaria a cura – fossem ervas a tomar, fosse uma cirurgia espiritual feita por criaturas divinas enquanto dormiam. Relatos preservados em estelas de Epidauro narram casos de doentes que sonharam com Asclépio operando-os e, ao acordarem, estavam milagrosamente curados. Esse processo de incubatio (incubação do sonho) era visto como um oráculo medicinal – um canal pelo qual Asclépio aconselhava e tratava seus fiéis.

Também curioso era o oráculo de Trofônio em Lebadeia (Beócia). Trofônio era um herói ou daimon local cujos consulentes passavam por uma experiência singular: após rituais purificatórios, o peregrino descia por uma estreita fenda na terra, adentrando uma caverna subterrânea considerada a morada de Trofônio. Lá dentro, algo ocorria (dizia-se que o consulente via aparições ou recebia uma revelação direta do espírito) e, algum tempo depois, ele emergia de volta à superfície completamente aturdido – tanto que, segundo Pausânias, tinha que sentar no Trono da Mnemosyne (Trono da Memória) e relatar aos sacerdotes tudo que vivenciara lá embaixo, para então receber a interpretação da sua visão. A expressão “ter visitado o oráculo de Trofônio” chegou a significar, em ditado grego, alguém que voltou pálido e abalado de uma experiência aterradora. Isso demonstra a dimensão quase iniciática que certos oráculos gregos podiam ter.

Importa frisar que, para os gregos, não havia contradição entre esses oráculos inspirados e outras formas de adivinhação mais técnicas. De fato, praticava-se na Grécia a observação de aves (oiônoscopia), a interpretação de sonhos (oneirocrisia), a leitura de vísceras (em especial por especialistas etruscos trazidos a serviço em épocas tardias), entre outras artes. Um general antes da batalha consultava tanto o oráculo de Delfos (se pudesse) quanto inspecionava o fígado da vítima sacrificada no acampamento, e ainda prestava atenção ao vôo repentino de um bando de pássaros – tudo era considerado válido no esforço de obter garantia do favor divino.

Autores gregos como Heródoto e Xenofonte registram diversos episódios em que comandantes tomavam decisões com base em presságios avistados ou na palavra de um profeta (mántis) presente no exército. Aliás, a figura do mántis (vidente inspirado) era comum: homens (ou mulheres) tidos como tomados por um deus transitavam pelas sociedades gregas oferecendo suas profecias em troca de oferendas – algumas genuínas, outras possivelmente fraudulentas, mas todas parte do cenário religioso da época.

Roma Antiga | auspícios, sibilas e os presságios de Estado
Roma Antiga | auspícios, sibilas e os presságios de Estado

Roma Antiga | auspícios, sibilas e os presságios de Estado

Na Roma Antiga, herdeira da tradição etrusca e influenciada pela cultura grega, a prática oracular assumiu feições próprias, integrando-se fortemente à estrutura política e religiosa do Estado. Diferentemente dos gregos, que tinham locais específicos para seus oráculos, os romanos incorporaram a adivinhação ao dia a dia do governo através de sacerdotes oficiais encarregados de ler os sinais divinos em praticamente todas as ocasiões públicas importantes.

Uma instituição central era a dos Augures. Esses sacerdotes tinham a função de “tirar os auspícios” (auspicia) antes de empreender qualquer ação estatal relevante – seja a eleição de magistrados, o início de uma batalha ou a inauguração de um edifício público. O termo auspício deriva de avis (ave) e specio (observar); de fato, o método augural clássico consistia em observar o comportamento de pássaros no céu. O augur delimitava ritualmente uma seção do firmamento (o templum) e ficava atento ao voo das aves, seus cantos ou mesmo à aparição súbita de aves específicas. Por exemplo, se corvos grasnavam à esquerda ou águias surgiam em par, isso podia ser interpretado como sinal favorável ou desfavorável.

A prática de consultar os augúrios era tão arraigada que nenhum comandante romano ousaria ignorá-la: acreditava-se que prosseguir em algo depois de auspício contrário era desafiar abertamente a vontade dos deuses – receita para o desastre. Até escritores romanos tardios, como Tácito, comentam que os povos germânicos também davam altíssimo valor ao sorteio e às aves, observando que “a prática de consultar os gritos e o voo das aves é bem conhecida de nós [romanos]”. Ou seja, os próprios romanos se viam como mestres na arte de ler os pássaros, compartilhando isso com outras culturas.

Outra classe de intérpretes oficiais em Roma eram os harúspices, originalmente trazidos da Etrúria (região vizinha de Roma). Os etruscos desde muito praticavam a haruspicina, a arte de ler as entranhas de animais sacrificados, tal qual os babilônios faziam séculos antes.

Em Roma, os harúspices não formavam um colégio sacerdotal estatal como os augures, mas eram consultados em casos especiais – por exemplo, quando ocorria algum prodigium (evento prodigioso ou monstruoso, como um nascimento de animal anômalo, um raio atingir um templo, etc.). Nesses casos, os harúspices etruscos eram chamados para “ler” o fenômeno e propor rituais de expiação. Um aspecto curioso é que, enquanto os augures lidavam mais com o futuro imediato (será auspicioso realizar tal ato agora?), os harúspices lidavam com sinais tidos como expressões de descontentamento divino, exigindo medidas reparadoras. Essa diferença é sutil, mas mostra como Roma incorporou diversas camadas de adivinhação: a preventiva (augúrios) e a reativa (haruspicina prodigial).

Roma conheceu também oráculos personificados, à semelhança da Grécia. A mais célebre foi a Sibila de Cumas, uma profetisa que, segundo a lenda, entregou ao rei Tarquínio Superbo (no final da monarquia, séc. VI a.C.) uma coletânea de profecias em versos gregos – os famosos Livros Sibilinos. Reza o mito que a sibila ofereceu nove livros proféticos a Tarquínio, queimando três toda vez que ele recusava comprá-los, até que ele adquiriu os três últimos pelo preço original dos nove. Esses livros foram guardados num cofre do Templo de Júpiter Capitólio e passaram a ser consultados oficialmente pelo Senado romano em momentos de grande crise.

Diante de guerras desastrosas, pestes, fomes ou prodígios assustadores, os romanos recorriam aos Livros Sibilinos para buscar orientação divina de emergência. Um colégio especial de sacerdotes, os decênviros (mais tarde quinquêviros) dos Livros Sibilinos, ficava encarregado de preservá-los e interpretá-los. A consulta consistia em abrir aleatoriamente os rolos e ler o verso profético que surgisse, entendendo-o como resposta ou recomendação dos deuses para aquela situação. Muitas vezes, as “respostas” sibilinas indicavam que certos rituais de expiação fossem feitos, ou a introdução de um novo culto estrangeiro para aplacar tal deus irritado, etc. Um exemplo histórico: durante a Segunda Guerra Púnica, depois da derrota de Canas (216 a.C.), os Livros Sibilinos teriam instruído os romanos a enterrar vivos um casal de gregos e um de gauleses no Fórum Boário, como sacrifício aos deuses do submundo – um rito macabro que de fato foi executado. Isso ilustra como os romanos, apesar de práticos e jurídicos, em momentos de pânico se voltavam a medidas oraculares drásticas para tentar influenciar seu destino coletivo.

Ademais, Roma assimilou oráculos de outros povos do Mediterrâneo. Durante a época republicana, era comum que generais ou estadistas romanos em viagem consultassem o Oráculo de Apolo em Delfos ou de Zeus Ammon em Siuá (como fez o general Cipião Africano no séc. III a.C.). Com o sincretismo helenístico, oráculos de cura de Asclépio/Esculápio foram trazidos para Roma (o próprio deus Esculápio teria “vindo” em forma de serpente sagrada de Epidauro para a nova sede em Roma em 291 a.C., após consulta oracular indicar essa importação para debelar uma peste). Profetisas sibilinas também atuavam individualmente: temos registros de sibilas ativas na época imperial, proferindo oráculos em sua própria pessoa, embora frequentemente marginalizadas pelas autoridades.

De modo geral, a religião romana via a adivinhação (divinatio) sob duas formas, conceituadas até por escritores como Cícero: a “adivinhação natural” – aquela por inspiração direta divina, envolvendo oráculos extáticos, visões e profecias espontâneas; e a “adivinhação artificial” – aquela aprendida metodicamente, como a arte augural, a astrologia e a interpretação de sinais físicos. Ambas coexistiram ao longo de séculos.

No final do período republicano e início do império, a astrologia (de origem mesopotâmica-grega) ganhou enorme popularidade em Roma: imperadores como Tibério mantinham astrólogos na corte, ao passo que Vespasiano consultou uma famosa sibila (a de Tibur) antes de se revoltar contra Nero, e assim por diante. Os romanos também lançavam mão de sortes oraculares populares – como as sortes Virgilianae, em que abriam ao acaso um verso da Eneida de Virgílio buscando aplicá-lo ao momento (prática que alguns veem quase como um precursor remoto do bibliomancia com textos sagrados).

Em suma, na Roma Antiga o oráculo permeava tanto a esfera pública quanto a privada: das altas decisões de Estado tomadas somente após sinais favoráveis dos deuses, até a pessoa comum que ia a um santuário ouvir a predição de uma sibila local ou pagar a um caldeu (astrólogo oriental) para levantar seu mapa astral, todos ansiavam por decifrar a vontade divina e o curso do futuro. O pensamento romano, assim como o grego, encarava essa comunicação com os deuses não como violação do desconhecido, mas como parte natural da religião – um diálogo contínuo entre a Terra e o Céu, mediado por símbolos.

Outras civilizações antigas e práticas oraculares
Outras civilizações antigas e práticas oraculares

Outras civilizações antigas e práticas oraculares

Além dos exemplos acima, virtualmente todas as culturas antigas desenvolveram alguma forma de oráculo ou adivinhação. Seria impossível cobrir todas aqui, mas vale mencionar brevemente alguns casos ilustrativos:

  • No antigo Levante e entre os hebreus bíblicos, encontramos o recurso do Urim e Tumim – sorte sagrada lançada pelo sumo sacerdote de Israel para obter respostas de Javé (mencionado na Bíblia, Êxodo 28:30). Tratava-se possivelmente de dois objetos (pedras ou plaquetas) tirados de um peitoral sacerdotal para indicar sim/não em questões de Estado, como ir ou não à guerra. Os fenícios e povos semitas usavam também flechas oraculares: a Bíblia cita, por exemplo, o rei da Babilônia consultando sortes com flechas antes de decidir atacar Jerusalém (Ezequiel 21:21).
  • No mundo celta pré-cristão, há indícios de que os druidas atuavam como videntes. Autores clássicos relatam que gauleses e britanos interpretavam augúrios na forma de gritos e convulsões de vítimas humanas sacrificadas – um tipo de aruspicina cruel. Já tribos germânicas praticavam a cleromancia: segundo Tácito, eles “quebram um ramo de árvore frutífera em varetas, marcam-nas com certos sinais rúnicos e lançam-nas sobre um pano branco; o sacerdote da tribo, olhando ao céu, recolhe três varetas e interpreta os símbolos gravados nelas”. Esse relato (Germania, cap. 10) é possivelmente o primeiro registro de uso de algo similar às Runas nórdicas como oráculo, já no século I d.C. Os germanos também atribuíam significado oracular ao comportamento de cavalos sagrados: mantinham corcéis brancos em bosques consagrados e, ao consultar a vontade divina, deixavam que esses cavalos (conduzidos por sacerdotes) “escolhessem” ou reagissem de certo modo – seus relinchos e passos eram interpretados como aprovação ou reprovação dos deuses.
  • Nas civilizações mesoamericanas (como maias e astecas), a divinação era ubíqua e multifacetada. Os maias desenvolveram calendários adivinhatórios complexos: cada dia estava associado a certos presságios, e sacerdotes conhecidos como “dia-registradores” consultavam almanaques (como os contidos no Códice Dresden) para prever a fortuna de nascimentos, casamentos, colheitas etc. Os astecas lançavam grãos de milho ou obsidianas e interpretavam seus padrões; também recorriam a oráculos vivos – por exemplo, o deus Texcatlipoca falaria através de um jovem sacerdote em transe durante certas festividades. A prática de incubação visionária era comum: ingestão de plantas psicotrópicas (como peiote ou cogumelos) por xamãs para obter visões proféticas. Em suma, os povos ameríndios possuíam vastos sistemas de previsão, integrados a seus calendários sagrados e mitologias.
  • Em regiões da África, tradições oraculares antigas persistem até hoje, muitas com origens se perdendo no tempo. Um caso notável é o oráculo Ifá do povo iorubá (África Ocidental). O Ifá utiliza a combinação aleatória de conchas ou sementes de dendê para formar códigos binários (Odus) interpretados por sacerdotes babalawos. Curiosamente, o sistema Ifá trabalha com 16 figuras principais formadas por pontos duplos ou simples – uma estrutura que apresenta similaridade impressionante com a geomancia árabe-medieval e europeia (que também opera com 16 figuras resultantes de traços binários). Não se sabe ao certo se há uma conexão histórica ou se é uma convergência independente; de todo modo, o Ifá é considerado um dos oráculos mais antigos da África, transmitido oralmente por incontáveis gerações.
  • Por falar em geomancia, embora ela seja historicamente documentada apenas a partir da Idade Média (surgindo no mundo islâmico sob o nome de ‘ilm al-raml, “ciência da areia”), seus defensores na era moderna frequentemente lhe atribuem origens muito antigas. A geomancia consiste em traçar pontos aleatórios na terra ou no papel, gerando-se séries de linhas pares/ímpares que resultam nas 16 figuras geomânticas. Alguns esoteristas afirmam (ainda que sem comprovação direta) que formas rudimentares de geomancia eram conhecidas dos egípcios do período pré-dinástico e de sábios indianos antiquíssimos. O certo é que a técnica, tal como se difundiu mais tarde, floresceu entre árabes e persas por volta do século IX d.C. e chegou à Europa no século XII em traduções latinas. Contudo, se pensarmos bem, a idéia-base da geomancia – obter uma resposta oracular por um processo randômico interpretado – é universal e intemporal. Desde o lançamento de pequenos ossos ou pedrinhas (cleromancia) até a leitura de padrões em cascas quebradas, muitas culturas antigas exerceram algo nesse espírito, mesmo que não com o refinamento sistemático da geomancia clássica.
  • Por fim, embora cartomancia (adivinhação por cartas) seja um fenômeno bem mais recente, vale desmistificar uma associação comum: o Tarô – frequentemente chamado de “antigo oráculo” – não tem, de fato, origens na Antiguidade. As cartas de tarô surgiram no norte da Itália durante o final da Idade Média (entre os séculos XV e XVI) como um jogo de salão, similar a baralhos comuns. Somente a partir do século XVIII é que o tarô passou a ser usado para fins esotéricos e adivinhatórios, quando ocultistas europeus (como Antoine Court de Gébelin) conjecturaram, romanticamente, que suas imagens teriam secretas raízes no Egito antigo ou na Cabala judaica. Essas teorias, porém, carecem de respaldo histórico – não há evidência de baralhos de tarô no Egito faraônico ou em qualquer civilização clássica. O tarô como oráculo é uma criação do ocultismo moderno, inspirada, sem dúvida, pela simbologia ancestral (figuras de imperadores, estrelas, justiça, morte, etc. que povoam os Arcanos do tarô remetem a arquétipos antigos), mas que não deixa de ser uma releitura posterior. Portanto, ao falar das “origens remotas dos oráculos”, convém situar o tarô em seu devido contexto: ele é herdeiro de milênios de imaginação oracular, mas não um praticante desses milênios.

Concluindo

Ao percorrermos essas civilizações antigas – Mesopotâmia, Egito, China, Índia, Grécia, Roma e outras – constatamos tanto a diversidade das formas de oráculo quanto a universalidade do anseio humano pelo conhecimento do futuro e pela comunicação com o divino. Cada cultura, a seu modo, concebeu que o cosmos enviava pistas e mensagens: algumas olharam para as estrelas, outras para as entranhas de um carneiro; umas ouviram o sussurro das árvores sagradas, outras os versos em transe de uma sacerdotisa inspirada. Os oráculos antigos não eram meras superstições descabidas para aqueles povos, mas sim parte integrante de suas visões de mundo – um elo entre o mundo humano e a vontade dos deuses.

Além de satisfazer a curiosidade sobre eventos vindouros, os oráculos serviam para orientar decisões difíceis, legitimar poderes, consolar angústias e reforçar a coesão social em torno de crenças compartilhadas. Em todos os casos, vemos a tentativa de trazer um sentido e uma ordem ao incerto, projetando sobre o acaso e o desconhecido a luz de uma mensagem inteligível.

Nas palavras do historiador grego Heródoto, “dos deuses vêm todas as coisas” – e os antigos, com seus oráculos, esforçavam-se por escutar essas coisas. Sejam ossos queimados, estrelas cintilantes ou vozes extáticas, os oráculos da Antiguidade lançam uma ponte para compreendermos a psique humana em seu estágio civilizatório inicial, sempre buscando no sobrenatural a resposta para os dilemas existenciais. Seu legado perdura, transformado, nas muitas formas de adivinhação que ainda hoje fascinam milhões ao redor do globo, lembrando-nos de nossas raízes remotas e da perene pergunta: o que os deuses reservam para o amanhã?

Referências Bibliográficas

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