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A questão da precificação dos livros digitais

Todos os livros, absolutamente todos, para registrar e circular informação e conhecimento, necessitam de um hardware. Nem que seja hardwares em formato de tabletes de argilas, e-readers, papiro, parede de cavernas, telas de smartohpnestablets, papel impresso ou até bambu.

O mercado editorial tradicional, sem o qual o artefato livro não existiria como produto de consumo em massa, convencionou explorar comercialmente livros que são impressos em folhas de papel. Para se registrar e compartilhar informações e conhecimento utilizando livros em papel, se faz necessária a utilização de diversas páginas aonde os textos são impressos. Deste modo, por exemplo, para um texto de aproximadamente 140 mil caracteres com os espaços, são necessárias cerca de aproximadamente 100 páginas ou folhas impressas.

Pelas contas do mercado editorial, convencional, se a gente quiser circular, por exemplo, um livro de 100 páginas para cerca de 10 mil leitores, temos que multiplicar as 100 páginas impressas pelos 10 mil.

Parece óbvio, não? Mas é com esta conta básica que o mercado editorial convencional pagou durante décadas cada profissional envolvido com a manufatura dos livros. E é sobre esta conta básica que está ancorado todo o mercado editorial convencional que hoje ainda explora comercialmente as cópias das obras, de onde temos o modelo de copyright [direito de cópia] como premissa básica.

Se pudéssemos criar uma equação, ela seria mais ou menos esta:

Número de páginas X [multiplicado pela] tiragem de exemplares X [multiplicado pelo] preço de capa do livro = [que seria responsável por toda] a base de sustentação de todo um mercado

Agora vamos para os livros digitais

Com uma única tela touch, com uma única écran, com uma única folha e-ink [traduzido para o português como papel eletrônico], é possível permitir ao leitor que se ‘imprima” milhares de páginas, infinitamente, delimitando-se apenas pelos recursos de memória e energia. Ou seja, no caso de livros que se utilizam do hardware eletrônico para serem consumidos, o limite está ou na memória da máquina [basada na Lei de Moore] ou nos limites da energia [infelizmente ainda não suplantada pela tenologia atual].

E se pudéssemos criar uma equação para um novo modelo de negócios para os livros digitais, ela seria mais ou menos esta:

Número de títulos que podem ser infinitamente ‘impressos’ e apagados nas telas de um hardware comprado pelo próprio leitor X [vezes] a tiragem de exemplares digitais vendidos ou baixados ilegalmente X preço de capa do livro = a base de sustentação de todo um mercado novo

A diferença básica entre os dois modelos é que ao invés de se multiplicar o hardware, que era o caso do livro em papel, agora basta multiplicar o software [o arquivo do livro]. E, naturalmente, o custo para se duplicar os arquivos dos livros digitais é igual a zero. Basta clicar no comando COPY, e depois acionar o comando PASTE. O custo para se duplicar as folhas dos livros impresso, embora os custos tendenciarem a reduzir-se, continuam existindo. Para sempre até que os livros parem de ser impressos se a conta não bater mais.

Quantos hardwares são necessários para se ler todos os eBooks do mundo

O erro do mercado editorial, aquele convencional, continua sendo a base de multiplicação dos eBooks como se estes fossem livros impressos. A conta para demonstrar o abismo entre os dois modelos está baseado no fato de que se o preço de capa do livro se reduz na versão digital, automaticamente se reduz também o ganho para toda uma cadeia produtiva. E é aqui que reside o maior perigo. Se as coisas continuarem como estão, nem a necessidade de entidades de classe farão mais sentido, tal a performance de novas comunidades, chamadas pelo mestre Don Tapscott de peerings, que surgem para equalizar o tema de um novo modo.

Vamos a um exemplo bem claro do porque as editoras tentam manter os preços de capas mais ou menos igualitários:

De acordo com seu relatório ‘Entendendo o consumidor de e-book’ de julho, a Nielsen estima que ano que vem as vendas de ficção chegarão a 47 milhões de unidades, umas 300.000 à frente dos livros de bolso, e representarão 48% do total de vendas de ficção. Contudo, como o preço médio de um e-book é menos de 3 libras, comparado a 5,5 libras do livro de bolso, o valor das vendas de e-book em 2014 alcançarão apenas 32% do total de ficção.

Segundo a Nielsen, uma menor receita da venda de e-books não é a única preocupação para editoras. Receitas de vendas de livros impressos estão caindo também. ‘Estamos prevendo que o valor total do mercado de ficção cairá 16% este ano, e mais 4% em 2014’, afirma o relatório.” [Digital fiction to overtake paperbacks in 2014, says Nielsen, by Philip Jones, The Bookseller].

Mesmo forçando a barra para manter os mesmos percentuais para cada agente da cadeia, da velha cadeia, com um custo menor no preço de capa do livro, o livreiro ganha menos, a distribuidora ganha menos, a editora ganha menos e o autor ganha menos. E esta é a razão de alguns players quererem ser tudo ao mesmo tempo: livreiro, distribuidor, canal de venda direta, varejista. Eu diria que alguns players querem ser não só ser a editora, mas também até os próprios consumidores. E isto está ocorrendo porque as contas não estão batendo.

A equação é simples: o leitor quer pagar menos

O mercado editorial poderia, ao invés de perder tanto tempo tentando convencer-se do contrário, ter acostumado o leitor consumidor a dar um pouco mais de valor nas versões digitais. Durante o que eu chamo de a década perdida, de 2001 a 2011, no entanto, o mercado editorial convencional deixou para a free culture [a cultura do grátis] o papel de ensinar aos consumidores o valor dos downloads. Eu estive por lá quando criei meu primeiro projeto com os eBooks, a eBookCult, e o consenso da classe era generalizado, o que importava era o cheiro do papel.

Mas eu avisava, não seria o cheiro do papel que prenderia os leitores ao suporte papel. É por esta razão que o mercado editorial, convencional, tem se esforçado para manter o preço de capa dos eBooks equivalentes as versões impressas. O mercado editorial convencional está tentando ganhar tempo com o futuro devastador que se horizonta a sua frente. Pois chegará sim o dia em que os eBooks terão mais consumo e audiência que os livros impressos.

Leve o tempo que levar, e não estou aqui defendo a máquina que durante décadas foi responsável pela cultura capitalista ao redor do livro, mas, uma maneira de tentar proteger o mercado editorial, convencional, incluindo em primeira instâncias os livreiros e, depois disso, as editoras, é instaurando o preço único do livro. Não há outra saída, mas penso ao mesmo tempo que isto seria quase que impossível frente a constatação de que o mercado, ao invés de criar uma agenda para todo o setor, se fecha em feudos na tentativa de apostar quem morrerá por último.

Se o livre mercado continuar com a sua lógica mercantilista de apenas tentar a todo o custo debater-se frente a uma realidade inexorável dos micro pagamentos, o futuro do mercado editorial, convencional, será a morte. Ela é eminente, quem é editor, livreiro e autor sente isto na pele, todos os dias. Um novo mercado editorial nascerá com um novo modelo que suporte desde a cultura do grátis, passando pela cultura do compartilhamento ilegal, daqueles micro-pagamentos que ganharam consumidores com a explosão dos aplicativos com preços abaixo de um dólar, e com a falta generalizada de uma regulamentação deste setor.

Mas do que é que estamos falando?

Não que eu saísse em defesa, é apenas a visão de quem pensa o sistema de dentro para fora, e o inverso. Sem uma regulamentação mínima, urgente, o mercado editorial irá avançar em seu colapso. O mercado editorial não irá suportar os preços de capa que vinha mantendo com as versões impressas. Não conseguirá manter os mesmos percentuais divido para a cadeia produtiva. Não conseguirá manter audiência e consumo frente a concorrência de aplicativos e games, mais interativos e interessantes para milhares de usuários das mídias digitais. Enfim, não conseguirá se manter frente a um novo mundo cheio de oportunidades e desafios ao mesmo tempo.

O que o mercado editorial, convencional, necessita imediatamente é de uma pauta, uma agenda, unificada, transparente e compartilhada. Sem isto, qualquer questão, incluindo esta da precificação dos livros digitais continuará sendo tratada como mais um equívoco para tentar salvar o mercado de sua próprio causa mortis, pois vender eBooks ao mesmo preço e até mais caro que as suas versões impressas é basicamente isso: um suicídio.

Por Ednei Procópio

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