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The Road Ahead

A internet é o maior veículo de edição independente que já existiu.

— Bill Gates em The Road Ahead

Li The Road Ahead assim que foi publicado, em 1995. Na época, eu tinha dezenove anos e trabalhava como assistente de redação na Assessoria de Imprensa da Microsoft aqui no Brasil. A empresa em que eu trabalhava foi responsável pela divulgação do lançamento de The Road Ahead e do revolucionário Windows 95. Além de lançar e divulgar diversos produtos e serviços da companhia americana, incluindo o Microsoft Reader.

O livro The Road Ahead foi traduzido para diversas línguas ao redor do mundo e, somente nos Estados Unidos, vendeu cerca de 2,5 milhões de exemplares, permanecendo na lista de best-sellers do New York Times por mais de dois meses.

William Henry Gates III, mais conhecido como Bill Gates, é meu guru. A primeira vez que li à respeito de livros digitais foi em The Road Ahead. E continuo lendo a obra cada vez que penso em mudar o foco de minhas ideias, ou sempre que penso em seguir em frente. Gates previu, com duas décadas de antecedência, toda revolução que estava em curso com o advento da Internet, que ele chamava de “A Estrada do Futuro”, e  previu todo o modus operandi da Era Digital na qual nos encontramos inseridos atualmente.

Uma versão online de The Road Ahead pode ser acessada no Scribd, ou comprada na Estante Virtual. Separei algumas passagens do livro, aqui neste post, logo abaixo, pois creio serem pertinentes para o entendimento do cenário pela qual o mercado editorial vem passando. Separei apenas aqueles trechos que, de certo modo, envolvem meu trabalho como editor aqui na Livrus Negócios Editoriais, mas é importante salientar que Gates acertou a maioria das previsões que envolvem também as indústrias de entretenimento, telecomunicações, fonográfica, cinematográficas e, porque não, editorial.

Eu estava pensando em comentar cada parágrafo, abaixo citados, mas creio que o que Gates pensou e escreveu há vinte anos basta. As previsões de Bill Gates podem hoje até parecer óbvias, mas não eram há duas décadas quando li The Road Ahead e tirei dali minha ideias para trabalhar com livros digitais. The Road Ahead vale à pena ser lido e relido na íntegra porque as previsões de Bill Gates são simplesmente geniais.

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Por mais de quinhentos anos, todo conhecimento humano e informações foram armazenados em documentos de papel.

O papel estará conosco indefinidamente, mas sua importância como meio de encontrar, preservar e distribuir informação já está diminuindo.

Quando você pensa em um ‘documento’, provavelmente visualiza pedaços de papel como alguma coisa impressa neles; mas essa definição é limitada. Um documento pode ser qualquer corpo de informação.

Um artigo de jornal é um documento, mas a definição mais ampla inclui também um programa de televisão, uma canção ou um videogame interativo.

Em resumo, esses novos documentos digitais substituirão muitos dos documentos impressos em papel porque eles poderão nos ajudar de novas maneiras.

Mas ainda levará um bom tempo para que isso aconteça. O livro, revista ou jornal de papel ainda tem muitas vantagens sobre suas contrapartidas digitais. Para ler um documento digital você precisa de um aparelho de informação, como um microcomputador, por exemplo. O livro é pequeno, leve, de alta resolução e barato, comparado ao custo de um computador. Por uma década ainda, pelo menos, não será tão confortável ler um longo documento sequencial numa tela quanto lê-lo no papel.

Os constantes melhoramentos tecnológicos dos computadores e das telas, no entanto, nos darão um livros eletrônico, ou e-book, leve e universal, que se aproxima do livro de papel de hoje.

Dentro de um estojo, mais ou menos do mesmo tamanho e peso de um livro de capa dura ou de bolso de hoje, você terá uma tela que mostrará texto, imagens e vídeo de alta resolução. Vai poder virar páginas com os dedos ou usar comandos de voz para encontrar os trechos que quiser. Poderá se ter acesso a qual quer documento da rede com tal aparelho.

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O ponto importante dos documentos eletrônicos não será simplesmente que poderemos lê-los em nossos aparelhos de hardware. A passagem do livro de papel para o eletrônico constitui o estágio final de um processo já bastante adiantado. O aspecto excitante da documentação digital é a redefinição do documento em si.

Isso terá repercussões drásticas. Teremos de repensar não apenas o significado do termo documento, mas também o de autor, editor, escritório, sala de aula e livro.

Dentro de poucos anos os documentos digitais autenticáveis, será o original, e as cópias em papel serão secundárias. Muitas empresas já estão superando o papel e os aparelhos de fax e trocando documentos editáveis, de computador para computador, através do correio eletrônico. Este livro teria sido mais difícil de escrever sem o correio eletrônico. Alguns leitores, cuja opinião solicitei, receberam eletronicamente alguns rascunhos e foi muito útil ver as sugestões de revisão e saber quem as tinha feito e quando.

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Alguns documentos são tão superiores em forma digital que a versão em papel raramente é usada.

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Quando você se acostuma com esse tipo de sistema, descobre que a possibilidade de ver a informação de diferentes maneiras, torna-a mais valiosa. A flexibilidade convida à exploração, e esta é recompensada com a descoberta.

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De todos os tipos de documentos de papel, a narrativa de ficção é a única que não será beneficiada com a organização eletrônica. Quase todo livro de referência tem um índice, mas os romances não precisam de índice, porque não há necessidade de se procurar alguma coisa especifica num romance. Romances são lineares.

Da mesma maneira continuaremos a assistir a maioria dos filmes do começo para o fim. Isso não é um julgamento técnico, mas artístico: a linearidade é inerente ao processo de contar histórias. Novas formas de ficção interativa estarão sendo inventadas, aproveitando as vantagens do mundo eletrônico, mas os romances e os filmes lineares continuarão sendo populares.

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Facilitar a distribuição de documentos digitais a preços baixos, seja qual for a sua forma. Milhões de pessoas e companhias estarão criando documentos e publicando-os na rede. Alguns documentos serão dirigidos a plateias pagantes e alguns serão grátis, para quem estiver disposto a lhes dar atenção.

A armazenagem digital é fantasticamente barata. Unidades de disco rígido para microcomputadores logo estarão custando cerca de quinze centavos de dólar por megabyte (1 milhão de bytes) de informação. Para se ter uma ideia, um megabyte guarda cerca de setecentas páginas de texto, de forma que o custo será algo como 0,00021 dólar por página — cerca 1/200 do que a papelaria mais próxima cobraria por uma fotocópia, se a tabela for de cinco centavos por página.

E, como existe a possibilidade de reutilizar o espaço de armazenamento para outras coisas, o custo passa a ser o de armazenamento por unidade de tempo — em outras palavras, por aluguel do espaço. Se presumirmos quem um drive de disco rígido tem uma vida útil media de apenas três anos, o preço amortizado por página/ano, é de 0,00007 dólar. E a armazenagem está ficando cada dia mais barata. Os preços dos discos rígidos vêm caindo cerca de 50% ao ano, ao longo dos últimos anos.

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É particularmente fácil armazenar texto porque ele é muito compacto em forma digital. O velho ditado de que uma viagem vale por mil palavras é mais do que verdadeiro no mundo digital. Imagens fotográficas de alta qualidade consomem mais espaço do que texto, e o vídeo (que você pode pensar como uma sequência de até trinta novas imagens por segundo) consome ainda mais.

Apenas uma cópia da informação será necessária para todo mundo ter acesso a ela. Os documentos mais populares terão cópias feitas em diversos servidores para evitar atrasos quando houver um número grande demais de usuário querendo acessar.

Como um único investimento, praticamente o mesmo que uma única locadora gasta hoje com um título de vídeo de sucesso, um servidor baseado em disco poderá servir milhares de clientes simultaneamente. O custo extra para cada usuário será simplesmente o de uso da armazenagem em disco durante um curto período de tempo, e as taxas de comunicação. E isto está se tornando extremamente barato. Portanto, o custo extra por usuário será quase zero.

Isso não significa que a informação será grátis, mas o custo de distribuição será muito pequeno. Quando você compra um livro, boa parte de seu dinheiro paga os custos de produção e distribuição dele, não o trabalho do autor. Árvores foram derrubadas e trituradas para fabricar a polpa que se transforma em papel. O livro tem de ser impresso e encadernado. O capital que a maioria dos editores investe numa primeira edição tem por base o número máximo de exemplares que acreditam que será vendido de imediato, porque a tecnologia de impressão só é eficiente se forem feitos muitos exemplares de uma vez. O capital empatado nesse investimento é um risco financeiro para os editores — pode ser que não vendam todos os exemplares e, mesmo que isso ocorra, leva algum tempo para vender todos. Enquanto isso, o editor tem de armazenar os livros, despachá-los para os distribuidores e daí para as livrarias. Todas essas pessoas também investem capital no empreendimento e esperam ter lucros.

Quando, finalmente, o consumidor escolhe um livro e o sininho do caixa tilinta, o lucro do autor pode ser um pedaço muito pequeno do bolo, comparado ao dinheiro que vai para o aspecto físico do fornecimento de informação impressa em polpa de madeira processada. Chamo isso de ‘força de atrito’ da distribuição, porque diminuiu a variedade e desvia dinheiro do autor para outras pessoas.

Essa ausência de força de um atrito na distribuição de informação é incrivelmente importante. Dará oportunidade de um maior número de autores, porque só uma pequena parte do dinheiro do consumidor será gasta em distribuição.

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Quando Johannes Gutenberg inventou a imprensa, produziu-se a primeira mudança real na força de atrito da distribuição — a imprensa permitiu que a informação sobre qualquer assunto fosse distribuída rapidamente, a custo relativamente baixo. A imprensa criou um meio de massa por que permitiu a duplicação com pouca força de atrito. A proliferação dos livros motivou um interesse público generalizado pela leitura e pela escrita, mas, assim que as pessoas adquiriram essa capacidades, muitas outras coisas puderam ser feitas com a palavra escrita.

Essas aplicações não tinham sido em si mesmas suficientemente atraentes para fazer um número significativo de pessoas aprenderem a ler e escrever. Enquanto não existiu uma razão real para se criar uma massa critica (ou ‘base instalada’, no jargão da informática) de pessoas alfabetizadas, a palavra escrita não foi realmente útil como meio de armazenar informações. Os livros provocam a alfabetização em massa, a ponto de quase podermos dizer que foi a imprensa que nos ensinou a ler.

A imprensa possibilitou que se tirassem muitas cópias de um documento, mas quer dizer das coisas que eram escritas para poucas pessoas?

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Apesar de custar muito menos publicar um livro do que transmitir um programa de televisão, ainda sai muito mais caro, caso se compare com o custo da publicação eletrônica. Para publicar um livro, o editor tem de estar disposta a pagar as despesas iniciais de manufatura, distribuição e venda. A estrada da informação criara uma mídia com menos barreiras de acesso do que jamais se viu.

A internet é, portanto, o maior veículo de edição independente que já existiu.

Em parte, esse investimento ainda não está sendo feito hoje porque os mecanismos para autores e editores poderem cobrar de seus usuários ou de anunciantes ainda estão sendo desenvolvidos.

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A atribuição de valor à propriedade intelectual é mais complicada do que a maior parte das atribuições de valor, porque hoje é relativamente barato fabricar cópias de quase qualquer tipo de propriedade intelectual. A manhã, na estrada da informação, o custo de enviar uma cópia de uma obra — que será a mesma coisa que fabricá-la – será ainda menor, e cairá a cada ano por causa da Lei de Moore.

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Sempre que uma nova mídia é criada, seu conteúdo original é importado de outras mídias. Mas para aproveitar ao máximo as capacidades do meio eletrônico o conteúdo terá de ser especialmente concebido tendo em mente esse veículo. Até agora a vasta maioria do conteúdo que circula on-line foi ‘chupado’ de outra fonte. Editores de jornais e revistas pegam textos já criados para edições de papel e simplesmente os jogam on-line, muitas vezes sem fotos, tabela e ilustrações.

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O sucesso desses jogos estimulou autores a começarem a criar romances e filmes interativos, nos quais fornecem as personagens e as linhas gerais da trama, para que o leitor/jogador decida como desenvolver a história. Ninguém esta sugerindo que todo livro ou filme deva permitir ao leitor ou espectador influenciar o desfecho. Uma boa história, que faz você simplesmente sentar e assistir por umas duas horas é excelente entretenimento.

Você não consegue ao mesmo tempo controlar a trama e entregar sua imaginação a ela. A ficção interativa é tão semelhante e tão diferente das formas mais antigas quanto à poesia é ao mesmo tempo semelhante e diferente da prosa.

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Ao comprar, o que você esta realmente comprando é o papel e a tinta e o direito de ler, e deixar que outros leiam as palavras impressas naquele determinado papel com determinada tinta. Você não é o dono das palavras e não pode reimprimi-las, exceto em circunstâncias muito bem definidas.

A estrada poderia registrar se você comprou o direito de ler determinado livro. Se assim for, você poderá chamá-lo a qualquer terminal, em qualquer lugar. As editoras de livros costumam fazer dois lançamentos, um em capa dura e outro em edição de bolso. Se o consumidor que um livro imediatamente e pode pagar por isso, ele desembolsa vinte ou trinta dólares por seu exemplar. Ou então espera entre seis meses e dois anos para comprar o mesmo livro em formato mais barato e duradouro, por cinco ou dez dólares.

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As bibliotecas públicas serão no futuro lugares onde qualquer pessoa poderá sentar e usar equipamento de alta qualidade para obter acesso. As administrações das bibliotecas poderão usar os cursos orçamentários que hoje servem para comprar livros, discos, filmes e assinaturas para financiar os direitos autorais pagos para usar materiais educacionais eletrônicos. Os autores talvez abram mão de uma parte ou de todos os direitos se suas obras forem usadas numa biblioteca.

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Novas leis de direitos autorais serão necessárias para esclarecer os direitos do comprador sobre o conteúdo, sob diferentes arranjos. A estrada vai nos forçar a pensar mais explicitamente sobre que direitos os usuários tem a propriedade intelectual.

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As livrarias continuarão a estocar livros impressos durante muito tempo, mas obras de não-ficção e, em especial, materiais de referencia serão provavelmente muito mais usados em forma eletrônica do que impressa.

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Documentos de multimídia assumirão alguns dos papeis hoje desenhados por livros de texto, testes e outros materiais pedagógicos.

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Quando a estrada estiver em operação, os textos de milhões de livros estará disponíveis. O leitor poderá fazer perguntas, imprimir o texto, lê-lo na tela, ou mesmo ouvi-lo nas vozes que escolher. Ele poderá fazer perguntas. O texto será seu professor particular.

Porém, à medida que os estoques de livros escolares passarem a ser material interativo, haverá milhares de novas companhias de software trabalhando com professores para criar materiais de aprendizagem interativos com características de entretenimento.

Ednei Procópio é editor e um dos maiores especialistas em livros digitais do país, pioneiro na área desde 1998. Como editor e sócio-fundador de selos editoriais, atua na publicação, comercialização e divulgação de centenas de títulos em versões impressas sob demanda e digitais. Publicou Construindo uma biblioteca digital [2005], O livro na era digital [2010] e em 2013, Procópio lançou seu terceiro livro A Revolução dos eBooks [pela editora do Senai] indicado ao Prêmio

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